quinta-feira, 26 de novembro de 2009

O relato de um mendigo

Se você algum dia, já chorou por se sentir desamparado...
Imagine eu, seu moço, que desde sempre pela vida, fui alguém tão desprezado

Todos na rua me olham como se eu fosse um bicho
Também pudera, cá estou eu, revirando de novo o lixo

Mas a fome, é meu segundo nome, quanto ao primeiro, é José...
José... que amava Maria, que amava João, que ama sem temores quem quiser

João é um "cabra" safado, bandido e um ordinário conquistador,
Faz o que quer com grande maestria
Rouba de todos a alegria
Causando à mulher alheia, total perda de pudor

Dia após dia lá está ele pulando outra janela
E destruindo outra família,
Sem remorso ele segue em frente,

Um certo dia, após receber a notícia de minha inesperada demissão
Voltei pra casa apreensivo e inconformado com tamanha humilhação...

Desesperançoso em não arrumar mais, nenhum Real sequer
Logo abro a porta e dou de cara, com outro cara com a minha mulher
E olha que até queria mesmo, ser cego e surdo naquele momento

Pois pior do que se sentir traído, é se sentir um idiota, contra isso não há argumento...
E só de lembrar de tais imagens que não me saem do pensamento
Chego a chorar até hoje pois, a ferida ainda está aberta...
Sangrando aqui por dentro... do lado esquerdo do peito.

João pulou pela janela rindo, com a calça ainda abaixada
Saiu correndo ainda semi-nu e como um louco berrava pra molecada:
- Peguei mais um! Mais um corno pra minha coleção!
Meus filhos estavam chegando da rua
E por pouco não esbarraram na figura, que corria logo adiante
Ainda se gabando da aventura, fugia já ofegante, no final do outro quarteirão

As crianças que brincavam não viram a minha fúria transparecer,
Quando mais que de repente, minha mulher também se pôs de pinote a correr

E indo atrás do amante que a esperava de carro logo ali na outra na esquina
Aos berros se despediu, levando meus filhos, meu menino e minha menina...

Chorei e afoguei minhas mágoas gastando todo o meu FGTS,
Sim, eu quis morrer com tamanho desassossego

Perdi tudo, inclusive o resto da minha dignidade
E agora estou só... na amargura desse mundo
Eu que era que um bom advogado, hoje sou mais um pobre vagabundo...

De nada vale meu diploma, assim como muitos outros
Sou apenas mais um número nas estimativas do desemprego...

Seu moço, desculpe a sujeira, o fedor e o evidente mau hálito,
É que à essa altura a repugnância já me virou costume,
E na companhia dessa imundície, fiz de tudo um velho hábito corriqueiro

Espera agora, que depois eu continuo...
Pois fechou o sinal e preciso arrumar uma esmola...
Mas olha, essas crianças que estão aqui e deveriam estar na escola,

Estão aumentando a concorrência e atrapalhando o meu sustento
Enquanto eu já estou quase ficando são...
Se demorar mais um pouco, lhes roubo um pouco de cola e alivio minha aflição!

Tenho dor e em minha boca, já não me sobra quase dente
Preciso de mais um trago, uma dose urgente de aguardente...

Hoje está fazendo frio e não tenho nada para me aquecer
Sigo adiante, cambaleando e ainda embriagado...
Vou para a triste mendicância, hoje não mais envergonhado
Sem perceber que as últimas mãos que me estendem algumas moedas
São mãos jovens e semelhantes, embora agora um tanto quanto irreconhecíveis
Mãos pequenas, de dois filhos que tenho certeza, nunca cansei de abençoar...


Autor: João Paulo Machado Silva
Todos os direitos autorais reservados

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